PREFÁCIO

~*~


Esse livro me pede uma franqueza que ninguém deve ter. Então, caros olhos que me acompanham, se você se sentir confuso e, talvez, encontrar semelhanças pessoais com os personagens, não entre em pânico, não é uma coincidência fatal. É só que a loucura é a realidade em outro formato e até mesmo as geometrias pessoais se encaixam.


~*~

11.10.08

Capítulo 2


- Pai?
- Minha princesa! – respondeu, colocando-a no colo.
- Por que o senhor some? – fitando seus olhos para não fugir.
- Eu preciso, minha filha, mas você fica com tudo aqui...
- Fica vazio... – disse com tanta tristeza que seu vestido-mar desbotou.
- Mas vazio cheio, né? – tentando reverter a situação.
- Não, cheio de vazio. O único vazio cheio é o silêncio, pai. – levantou-se do colo dele e rumou para a porta – Tchau...
- Tchau, minha filha...
...

O que eu queria mesmo era conseguir explicar como que antes ela era livre, mas de asas podadas... A bela que sonhava domar o mundo para que fera não fosse mais. Mas quem disse que ele quis o fim das suas desgraças? Ficou sozinha até achar que solidão não é mais ser só.

...

- Bom dia, Serafim de asas azuis!
- Como acordou, pequena?
- Fechando os olhos... – apertou leve minha mão – me diz... – sentando-se ao meu lado.
- Sim?
- Me descreve?
- Ah... Vejamos... Linda?
- Não! Sério... Me descreve?
- Ta... Ta... Estatura mediana, cabelos castanhos escuros, lisos, na altura dos ombros... Mãos pequenas... Olhos cor de oliva... Coração maior que o meu... Tem passos calmos e sorri pra mim.
- Bem melhor... Obrigada!
- Por que o pedido?
- Cansei de espelhos, prefiro ouvir de você.
- Sendo assim, você ainda tem uma pinta enigmática próxima ao nariz e acima da boca do lado direito.
- Haha! Você não tem jeito...
- Mesmo... O que você guarda nessa pinta?
- Não sei, eu nem a vejo... O que você guarda na minha pinta?
- Essa é fácil! Oras, tudo o que você quiser que eu guarde.
- Tudo?
- Tudo.
- Eu quero... Que você se guarde nela.
- Ah... Então... Me descreve?
- Cabelos negros, lisos e bagunçados pelo vento escorregam sobre seus olhos cor de oceano, um azul tão escuro que só enxerga profundeza... E... – ajeitando-se em mim – Seus braços são fortes... O suficiente para me guardar.
- Falando assim, eu nem pareço esse moribundo que te acompanha.
- É porque no meu mundo ser moribundo é ser príncipe da própria vida.
- E onde ficam os loucos? Com pincéis nas mãos?
- Aaaah... Loucura não é vanguarda artística. No meu mundo, os loucos foram ouvidos.
- Mas vivem colocando a loucura como estilo de vida, moda vazia... Não entendo. Como ouvir algo
tão sem sentido para o seu mundo descapitalizado?
- Não, Serafim, os verdadeiros loucos foram presos. O nosso mundo antigo não aceita quem vai contra sua moeda.
- Sempre achei que hospícios fossem lugares para doentes mentais.
- É o grande mal, tentam passar a imagem de que está tudo perdido, sem solução, mas é nada, é
só câncer do desespero.
- Câncer do desespero?!
- O jeito que se fica depois que o mundo te deixa.
- Continuo não entendendo nada, Bel.
- Quando o mundo não te ouve mais, você guarda um silêncio que só cresce, um silêncio que vive
até te engolir. É tanto silêncio que toda companhia é sozinha e o mundo inteiro fica vazio de tão cheio, porque tudo fica em vão. E não te resta mais nada, a não ser um desespero que cresce a proporção do silêncio, um câncer que engole tudo, menos o silêncio. Sobrando em você todo o desespero do mundo e todas as suas palavras silenciadas por ouvidos que não conseguem escutar.
- E ele te engole?
- Engole sim. É aí que a gente enlouquece.
- Que coisa triste...
- Meu fim, – cruzando os dedos – posso te perguntar...?
- Qualquer coisa, Bel.
- Você acha que a gente é louco?
- Você acha que tem jeito de a gente ser triste?
- É que... – pensativa.
- Acho que Judith está sentindo sua falta! – interrompi.
- Verdade...
- Bitoca. – disse, beijando seus lábios.
- Até a noitinha, Grande.

Nenhum comentário: