PREFÁCIO

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Esse livro me pede uma franqueza que ninguém deve ter. Então, caros olhos que me acompanham, se você se sentir confuso e, talvez, encontrar semelhanças pessoais com os personagens, não entre em pânico, não é uma coincidência fatal. É só que a loucura é a realidade em outro formato e até mesmo as geometrias pessoais se encaixam.


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11.10.08

Capítulo 7


14 de Janeiro de 2000



Se existe mesmo essa coisa de que só se pode agarrar uma oportunidade boa uma vez na vida, posso desistir também. Estava bem melhor dando aulas de filosofia. Mas não seria o mesmo, seria covardia e ando há muito agindo assim. Meu querer tinha que ser forte. Não sei onde eu estou, nem do que mais foi perdido, se foi o lugar ou se foram as partes de mim que desfaleceram sem eu notar.
Acho engraçado como não estar no meu escritório faz com que essa situação fuja a normalidade e conversar com folhas de papel em branco soe tão ridículo. As minhas explicações ilógicas, é um saco falar de mim.
Eu vejo ao norte um sol escaldante e ao sul uma chuva pesarosa, a leste vegetação rasteira e a oeste mata densa. O caminho a ser escolhido é o caminho que vou narrar.


Com muito calor,


.Bel.

...


Quando não se tem casa, qualquer lugar serve como abrigo ou lugar nenhum é seu lar. A Bela vagava, pois não tinha para onde voltar.


...

- Judith e seus encantos!
- Como ela está hoje?
- Voando como sempre. Perguntei a ela se gostava de voar só por voar ou de voar a algum destino.
- E o que ela disse?
- Que gostava era de voar mesmo e que nenhum lugar para ela era impossível de se chegar!
- Nem que tivesse que voar um mês inteirinho?
- Nem que tivesse... Disse que tem borboleta que gosta de ficar fazendo pose de flor em flor, mas ela num gosta não.
- Não gosta de ser admirada?
- Não, diz que voa pra se libertar...
- Libertar do quê?
- Do chão.
- Da gravidade?
- Oxi, Não! Libertar das poças para se enamorar de onde a chuva começa. Nunca vi igual gostar tanto de água que despenca em gotas...
- E o vento?
- Ah... Judith já se confunde, não sabe se ela é o vento ou se o vento é ela mesma.
- Mas não é tudo a mesma coisa?
- Oras, o que muda é quem se enamorou primeiro.
- Agora tá explicado o porquê que ela gosta tanto de chuva.
- É mesmo?
- É, o vento já se casou com a chuva no primeiro dia que ela caiu.
- Que nem você no primeiro dia que me viu?
- Não, eu me apaixonei por você no dia que eu rasguei os prantos da mãe.
- Então, acredita em destino?
- Acredito nada! Me perdi pela vida e, dentro desses seus olhos, existe mais vida que no resto do mundo.
- E como você pode ter tanta certeza disso?
- Porque antes eu achava que conhecia tudo do mundo e ao te conhecer descobri que a vida não tem fim.
- Mas e a morte?
- A morte é onde tudo começa.
- Não entendi nada, Serafim.
- Uma vida que acena para outra que se inicia. A morte não é um ponto final, mas, sim, uma vírgula.
- Tá, tá, tá... Eu falo da morte pessoal, especificada, a minha ou a sua, por exemplo.
- Acho que a gente não morre, só o relógio que pára.
- Mas se o relógio parou é porque acabou, ué.
- Aaaah... Cê acha mesmo que a vida acaba quando o tempo esgota? A vida pra mim é coisa que perdura no ar, na terra, no passado e continua com o que vier adiante.
- Vida após a morte?
- Que nada! Vida não tem morte!
- Mas como?!
- Belinha... A coisa, que o tempo é, é o tempo que é a coisa, porque a coisa é o tempo e o tempo é a coisa.
- A vida é de quem nasce, Fim!
- Claro! Mas quem nasce morre.
- Então! Não entendo mais nada...
- A gente nasce com um relógio pra imprimir a vida no mundo, o relógio pára e o impresso fica.
- Então aqueles homenzinhos dos meus livros de História têm mais vida impressa?
- Só se for em papel! A vida pode ser impressa em cada suspiro, abraço, lampejo...
- Ai... E para entender a morte é só vivendo, é?
- É... A morte é quando a vida troca de roupa.
- Como é que é?!
- A vida é criança que nunca pára de crescer, daí que a gente é a roupa, uma hora fica pequena ou justa demais.
- Aí a gente é descartado?
- Não... A gente vira colcha de retalhos. A vida é tudo o que foi, o que passa e o que vai ser.
- Acho que entendi... Só continua confusa pra mim a tal da morte!
- É, pra mim também... Acho mesmo que só dá pra entender quando morre.
- Mas aí num acaba?
- Não sei. Talvez seja feito para não entender.
- Tá me falando que a morte é o desentender?
- Talvez...
- É, quem sabe?
- Quem deveria saber?

Caímos na gargalhada... Até... Até que... Um silêncio reinou e ficou no ar só o barulho da caneta riscando o papel. Ela repousou os olhos em mim...
- Serafim...
- Hum?
- O que você tanto escreve?

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