PREFÁCIO

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Esse livro me pede uma franqueza que ninguém deve ter. Então, caros olhos que me acompanham, se você se sentir confuso e, talvez, encontrar semelhanças pessoais com os personagens, não entre em pânico, não é uma coincidência fatal. É só que a loucura é a realidade em outro formato e até mesmo as geometrias pessoais se encaixam.


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11.10.08

Capítulo 6


02 de Janeiro de 1998


Saí com um coração vazio. Feito uma casa de teto transparente, mas tão alto que mal se enxerga o céu. Sempre me perguntando “e agora?”, como se fizesse alguma diferença... Larguei tudo e foi como se nunca tivesse sido tudo. Peguei uma mochila, um cantil, dois pares de roupas, pouco dinheiro, esse caderno. Fui. Pedalei 150 km e desisti da idéia de seguir norte. Até agora não conheci ninguém, deve ser provavelmente porque minha vontade é de solidão. Uma hora passa. Caminhoneiros são perigosos, vou ter que arrumar outro transporte. Quanto ao destino, a ordem alfabética soa a melhor opção.
Sem muita vontade de escrever,

Bel.

...


Dizem que o choro começa quando uma gota salgada desce do olho. Cortando a face delicado, como que tentando apagar um incêndio íntimo. Labareda alcoólica. Transparente. Mas não. O choro começa de uma lágrima que fervilha lá de dentro, num poço escaldante de dor. O choro é o que transborda, o insuportável. E a Bela já não tinha como transbordar mais, o poço tão escaldante levou a dor à calefação, restando apenas um buraco de antimatéria.

...



- E se eu te dissesse que meu amor não tem definição?
Ela, que se entretinha catando acerolas do pé, virou o rosto de uma vez.
- Ah, é mesmo? E vai me dizer como que me ama?
- Oras, dizendo...
- Nem como amigo, nem como amante, nem como nada?
- Não. Como você.
- A que fim você quer levar a isso, Serafim?
- De que não tem fim, Bel.
- Está a me dizer que vai se contentar...
- com toda e qualquer forma de amor em que caiba você.
Ela sorriu, levando uma acerola aos lábios, inspirou.
- Já te disse que acerolas me deixam apaixonada?
- Então para conquistar seu amor preciso te dar acerolas?
- Haha! Não, elas só me lembram do amor que fica guardado em mim.
- Amor por quem ou quê?
- E eu vou lá saber... Minha cabeça é cheeeia de acerolas!
- Mas eu fico aonde nisso?
- Você... entrou em mim de um jeito que minha única maneira de caber foi dentro de você.
- E, quando abraçou essa pedra oca de sentimento que eu carrego, de lá brotou uma flor.
- Não! Um pé de acerola.
- Ah, Bel! Acho que já temos uma plantação então...
- Como você acha que seria se todos plantassem acerolas?
- Enjoativo?
- Quero dizer... Vários tipos de acerolas.
- Existiria mais acerola do que pessoa.
- Que já nem caberia dentro da gente é?
- É, tanta que seria uma pandemia.
- Toda gente ia respirar acerola?
- Todo tipo de acerola.
- Toda forma de amor...?
- É, Bel... Toda forma de amor...
Ela me abraçou.
- Também te amo sem definição.

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