“Judith?”, disse uma voz tosca e seca vinda dos fundos do Hall. Um tapete vermelho com símbolos maias cobria todo o chão, no fim do corredor de paredes nuas, havia uma porta antiga de fechadura torta entreaberta. De lá, surgia uma voz calma, despreocupada e sem esforço, “Sim... Marco...”.
Ele empurrou a porta e ali estava uma mulher de meia idade, com os cabelos loiros presos por uma fita de cetim azul, sentada defronte uma escrivaninha rústica.
- Afinal, o que tanto faz enfurnada nesse quarto?
Olhando de esguelha para Marco, ela tentava se lembrar do espírito jovem do marido de quando se casaram e pensava como era incrível a idade ser capaz de envelhecer a alma.
Respondeu então ao homem de olhos castanhos e cabelos grisalhos “Estou arrumando meus papéis...”.
- Não sei porque perde tempo mexendo com isso. – mirando com ar de desprezo as pilhas pequenas de papéis coloridos.
- Você sabe que é importante para a Belinda... – como que a ignorar cada palavra dele.
- Ah! Você e essa sua filha louca!
- Ela também é sua!
- Não, minha é que não é! Se ela continuar a falar essas histórias malucas que você coloca na cabeça dela, eu vou...
- Você vai fazer o quê? – levantou-se da cadeira num salto e o encarava.
- Vou ser obrigado a pedir medicações mais fortes para você, você está surtando!
- Se nem eu sei da minha loucura, quem é você para medir minha falta de sanidade?
Um grito cortado por um estampido ecoou pela sala, um corpo tombava no chão. O homem saiu do quarto atrás de um de seus funcionários. Parece que logo se entende porque todos os cômodos possuem tapetes vermelhos.
O cetim azul se tornou negro.Uma menininha entra no quarto:
- MÃE!
...
Como eu sei dessas coisas? Dizem que é mais fácil quando se acredita em Deus. Mas sou ateu, não levo a sério essa divindade popular. Se existe um Deus, ele com certeza está no olhar das pessoas e foi isso que eu aprendi com essa menina.
...
- Parece que só eu vim hoje...
- Ah, Bel... Mas todas as noites são só você.
- É, né... Seu bobo...
- Mas como foi com a Judith?
- Nós voamos... – sorria furtivamente olhando o chão.
- Para onde?
- Até onde os pés alcançam.
- Pensei que voar fosse bailar no céu...
- E é... Mas a graça de voar está na certeza com que toco o chão.
Fiz aquela cara de dúvida parada no espaço e ela retribuiu com uma risada gostosa.
-Ah, Fim, o chão pode ser céu, depende só da retina da sua imaginação...
- Então, vamos amar no céu hoje?
- Amar como?
- Do maior jeito que couber no mundo.
- No meu ou no seu mundo?
- No nosso.
- E como é o nosso?
- Tem um abismo apertado – chegando perto dela – onde cabe meu corpo enrolado no seu...
Ela sorriu. E, de repente, pareceu que o amor brotava entre os nossos dedos com o toque.
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