- Mágicos não usam truques, usam metáforas! – bradou como se tivesse descoberto o céu.
- Como você pode ter tanta certeza disso? – retorquiu o reverendo.
- Girassóis, professor, girassóis...
- Explique-se, senhorita Belinda.
- O senhor nunca ouviu os girassóis? Todos os dias, eles se curvam diante do Sol e pedem licença para que as outras estrelas não percam o seu brilho... – agora, já de pé, contando estrelas de isopor penduradas no teto.
- Muito bem, senhorita Belinda, chega de poesia. As noites se originam do movimento da Terra em torno do seu próprio eixo. O Sol não interfere em nada. – fechou seu caderno de anotações bruscamente e mirava-a como um atirador franco-prussiano em dias da antiga guerra.
- O senhor é mesmo surdo! A Terra gira porque o Sol canta melodias e, de tão contente, ela não se cansa de bailar... – suspirou profundamente, buscando paciência.
- Barbaridade... Barbaridade... Você não tem mais jeito, menina! Encerramos por hoje... – expelia enquanto caminhava até a porta... – é melhor descansar, avisarei seu pai.
Belinda o fitou docemente com um sorriso furtivo, como se já esperasse, já aguardasse... o momento em que ele partiria sem entender o seu tesouro. Ela nunca aprenderia algo com a escola se a escola insistisse em nunca estudá-la. A verdade é inútil se for engolida.
A porta se fechou e o sinal bateu, enfim poderia passar o resto do dia no pátio, contando histórias para as margaridas...
...
Argh! Como explicar para você, pobre leitor desalmado?! Que o que ela tinha era ceticismo demais?! Narrar... Narrar... Narrar! Só assim a liga metálica se desfaz...
...
, cochichando para si mesma as vírgulas dos meus pontos finais, sorria a Belinda cuja beleza não era minha. Entre garçons e clientes, lá estava ela, a minha única platéia. O que ela avistava? Um músico sem aplausos?
- “Eu, pensando em você
Pensando em nunca mais
Pensar em te esquecer
Pois quando penso em você
É quando não me sinto só
Com minhas letras e canções
Com o perfume das manhãs
Com a chuva dos verões
Com o desenho das maçãs
E com você me sinto bem.”
- “ Eu estou pensando em você
Pensando em nunca mais
- Eu volto amanhã, obrigado. – disse, virando para guardar meu violão.
- Será o fim ser assim, Serafim?
- Perdão, quem...? –ousei, levantando os olhos. Ela sorria com as mãos roubando uma flor do meu paletó.
– ah.. Assim como?
- Flor... pétala e espinho. Por que todo mundo só lembra da pétala?– já sentada do meu lado.
- Acho que porque é mais doce... – falei como que dizendo algo óbvio.
- é... mas o espinho vem antes. – contesta da forma mais tímida possível.
- Oras, Belinda, você prefere a dor do que a doçura?
- Claro que não! Eu prefiro os dois. Eu... Eu gosto é da flor...
- Mas nem toda flor tem espinho!
- As desse tipo já sabem o fim.
- E qual é o fim?
- As pessoas roubaram seus espinhos.
- Enlouqueceu? Por que as pessoas iriam querer dor?
- Jamais... Roubar o espinho é ter só beleza.
- Acha mesmo?
- Não.
- Como não?
- E eu tenho que dizer tudo? Pois me diga você, o moço que carrega o fim pela vida.
- Pergunta difícil... – não contive o sorriso – Todas as noites, eu toco para pessoas que não possuem ouvidos, mas não me importa, enquanto eu ouvir minha música, o precipício é do outro que não alcança minha arte.
- Viu só como sabia! – afanou meus cabelos – As pessoas ignoram o óbvio.
- Ignoram, mas não enxergo aqui a tal ignorância...
- Espinhos não são tropeços de Deus. A doçura vem de cortes profundos... Ah! – levantou-se num salto – tenho que ir ver Judith! Quase me esqueço.
- Judith?
- Minha borboleta. – beijou-me a fronte – Amanhã me dará outro final?
- Talvez... – devorando seus olhos - Se me disser então o que é belo.
Ela partiu sem dizer mais nada. Ela não tinha nada mais a dizer.O belo não é para ser dito.
[1] Paulinho Moska – Pensando em você