PREFÁCIO

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Esse livro me pede uma franqueza que ninguém deve ter. Então, caros olhos que me acompanham, se você se sentir confuso e, talvez, encontrar semelhanças pessoais com os personagens, não entre em pânico, não é uma coincidência fatal. É só que a loucura é a realidade em outro formato e até mesmo as geometrias pessoais se encaixam.


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11.10.08

Capítulo 9


Ela acordou meio mareada. Meio que tentando acordar de um sonho ruim que nunca terminava. O pesadelo da realidade, aquele em que os beliscões resultam apenas em roxos.


Devia ter horas que estava ali, não tinha relógio. Levantou-se do lugar qualquer que tinha jogado o corpo e avistou o quadrado sem tampa em que se encontrava como um todo. Banho de sol, arame farpado e tudo mais. Parecia um presídio, mas não se lembrava de ter cometido algum crime (a menos que embriaguês tenha se tornado um).
Seu olhar caiu nos outros. Abobalhados, alguns sem roupas, todos muito calmos, outros que gostavam de se repetir. Surgiu um cara mancando, olhando torto, saindo do prédio, parecia atordoado.


- O que houve com você? – ela não resistiu.
- O trovão! VRRRRUUUUM! Raios dentro de mim! PÁRA-RAIOS! PÁRA-RAIOS! PÁRA-RAIOS!- ele saiu cantando e girando em piruetas toscas.


Ela, num momento estático, caiu em si, “hospício”, “estou num hospício”.


- AAAAAAAAAAAAAAAAH! – berrou horrorizada. “Não era possível”. Mas era.


...


E foi assim que eu conheci a Belinda. Minha princesa foi uma lunática tanto quanto eu fui trajado. Mas dizem que, depois da morte, tudo isso vira lucidez artística. Nesse campo, eu só conheci a Belinda tocando meu violão inexistente.


...


- Não consigo me lembrar... Não consigo me lembrar, Fim!
- Do quê, Bela?
- De antes!
- Antes de quê?
- De você.
- O passado?
- Foi... Ele se engoliu, caiu num buraco negro e explodiu!
- Não se preocupe... Estamos só... Ficando velhos...
- Tenho medo de... Quando eu não me lembrar de mais nada.
- Você não precisa, querida... O que importa não são as lembranças, mas o significado delas.
- Sempre achei que ele se esvai quando a lembrança se perde...
- Ah, não... O significado fica impresso em você.
- O lance da vida impressa?
- Um pouco... Por exemplo, você vai sempre ter algo que precisa mais que tudo, Bel... Como se dependesse daquilo diferente de todos os outros.
- O quê?
- Você sabe...
- Eu preciso... Eu preciso de amor! Preciso, feito necessidade biológica!
- Isso! Coisas assim nunca mudam, independentes da memória.
- A memória faz falta se o significado for vazio?
- Algo do tipo. Se o significado for vazio, a memória não vale mais do que ela representa, nem menos. Tê-la, ou não, não importa. A falta de significado é constante.
- E será que tem como a memória perder o significado?
- Quanto a isso, eu não sei, mas certamente você não é uma pessoa que se daria ao luxo de perdê-lo.
- Mas e se... Não fosse coisa minha? E se... Alguém roubasse o significado?
- Sabe o que eu acho?
- Hum?
- Que você tá se entupindo de ficção científica, porque tá com medo do nosso guarda-chuva não funcionar.
- AAAAH, Fim...
- Vamos, meu amor?
- Vamos!

Nós dois seguramos a haste do guarda-chuva e puxamos a manivela hidráulica que Belinda inventou. Os pratos com furos começaram a girar e, quando a água começou a cair, corremos. Para onde eu não sei, mas corremos com a chuva a nos envolver o corpo e alma. E, como se eu já soubesse, o corpo encharcado desconhecia tamanha pureza que a alma alcançava.

2 comentários:

Paula § Danna disse...

"O AMOR É A MEMÓRIA QUE O TEMPO NÃO MATA"

Lasevitz disse...

J.,

vou usar o tinteiro para buscar as palavras. joguei-o pelo chão e se formou um dicionário que vou tentar pôr em desordem alfabética.

bom saber que ao menos pude te encontrar, ou te apontar, já que mal guardados nesses tempos já bastam os significados. me lembre depois de te emprestar um guarda-J. será útil assim que eu souber onde as J.s costumam caber, o que pode tampá-las e, principalmente, qual o tamanho do buraco necessário para que possam fugir.

vontade agora é de sair correndo pela água fina que tropeça lá fora, com um guarda-chuva na mão para evitar que a poesia se molhe e servir de pretexto para que se corra, pés em poças, a grama, o barro, o vento que vem de lado e não se segura mais, não mais...

uma caixa - espero que sirva,

R.