PREFÁCIO

~*~


Esse livro me pede uma franqueza que ninguém deve ter. Então, caros olhos que me acompanham, se você se sentir confuso e, talvez, encontrar semelhanças pessoais com os personagens, não entre em pânico, não é uma coincidência fatal. É só que a loucura é a realidade em outro formato e até mesmo as geometrias pessoais se encaixam.


~*~

11.10.08

Capítulo 5


30 de Dezembro de 1997


É preciso sentir a maior dor do mundo para entender. Ou pior. É preciso não sentir. O fim é um vazio súbito de tudo, o todo socado dentro do nada.Eu gosto de correr. Tão rápido que minhas pálpebras lutam para se fechar. Lutam por nada. Um incômodo tranca minha lágrima. O vento não a seca, nem a deixa escorrer. Ela se tranca dentro do olho. Talvez seja vazio querer a dor.Mas é isso que eu quero por fim dos dias. O fim dentro dele mesmo.Desde que você me deixou, eu me odeio por não poder ir junto. Não por não estar partindo ao seu lado. Só porque não me cabe mais dentro de você. E eu sigo amando uma parte que não me tem. Meu amor deixou de ser amor próprio.Esse é o fim da minha sanidade. Nada mais me importa. Nada mais me cabe. Porque. Simplesmente. Nada mais eu sinto. Fadada a não ser nem mesmo uma pedra.Já não percebo o vento, a chuva ou o calor. O vazio é o sofrimento sem marcas.O vazio é a dor egoísta. Meu mundo só meu. O infinito vão.
Bem-vindo ao vácuo existencial. O poder caiu. Nada que eu exiba ou possua tem valor. Eles. Os outros. Invejam. Minha vida de hastes ocas.A aparência não enxerga a flor peçonhenta que roça.
Fé? Eu não tenho Deus. Deus morreu com o milagre (que não vem).A traição é um corte esperto. Arranca o orgulho. E dá a luz ao fracasso.Obrigada pelo presente. Posto que antes não saberia que humildade é coisa assim. De tanto não ter, têm-se tudo.
Os papéis do divórcio estão sobre a cama. Não se preocupe comigo.Estarei bem. Eu e minha bicicleta e o mundo. Se o nosso passado foi sem significado algum. Preciso ao menos sair em busca de um presente que preencha meu futuro. Eu me recuso a não viver.
.Belinda.
P.S. Desejo profundamente que você se foda. Adeus.

...
Ela suportou a perda da mãe.E a perda do pai.Agora até que ponto ela irá suportar a perda do mundo?
...
A Bela sentou a treva distante do meu rosto. Como as horas apartam o dia da noite, ela olhando, eu tentando entender as vias submersas do seu olhar.
- Vamos inventar uma nova canção? – quebrou o silêncio.
- Cansou-se das antigas, Bel?
- Não... É que já quero outro final.
- Só não entendo o porquê de tantos finais.
- Pra não ter desculpa de achar que o fim foi diferente só porque a vida foi a mesma.
- A borboleta quebra só um casulo, você insiste em quebrar vários. Pra quê tanto espinho?
- Deixar o chão, Fim! Depois que quebra o casulo, a borboleta nunca mais rasteja, só voa. A vida tem muitos casulos e eu quero voar em todos os sentidos.
- Quais são os limites?
- Não ter limites.
- Se todos fossem assim, o mundo viraria uma desordem.
- Ah, oras, o outro não pode ser doutor do meu limite, assim minha vida seria ilhada, mas minha falta de limites também não pode interferir no outro. Entende?
- Na verdade... Não. Como é possível que o outro não te limite se sua liberdade termina no outro?
- Os seus limites definem apenas o seu mundo e o de mais ninguém. É preciso ter respeito entre os mundos para haver equilíbrio.
- Você quer dizer que... Assim a liberdade não vira imposição?
- Exatamente. Tem quem ache que ser livre é se libertar do outro, mas isso é...
- Solidão.
Ela concordou fechando e abrindo os olhos de leve.
- Bel, você podia mudar a humanidade com esses pensamentos...
- Ah! A humanidade não quer ser mudada, querido.
- Então como a gente fica? Entre o amor e os demônios?
- Onde a gente quiser.
- Eles nunca vão deixar...
- Não, eles nunca vão saber.
- Um dia, a verdade virá à tona.
- Fim, a humanidade não consegue curar sua cegueira, vive da mentira...
- E qual é a mentira?
- A casca.
- Hã?!
- As aparências. A sociedade continua despreparada para lidar com o íntimo.
- Mas já se discute tanto sobre sexo e outros afins com os adolescentes... As coisas não são tão por debaixo do pano como antes.
- Meu fim, se conhecer o corpo humano fosse intimidade, os médicos seriam gurus do íntimo.
- Haha! Tá... Aonde você quer chegar com isso?
- Todo mundo tem medo de mostrar o que esconde atrás das curvas, do cabelo, das roupas... Vai além dos órgãos o que é raro, o que importa.
- Então está a me dizer que o mundo é ralo?
- Não, mas que vivem como se fosse.
- Ah, vamos tirar nossas roupas e ser livres como pássaros?
- A gente não precisa tirar as roupas...
- Mas você não acabou de dizer que elas nos limitam?
- Sim, mas só quando não se enxerga atrás delas!
- Entendi... Ei, e a nossa nova canção?
Sorrimos. Puxei-a pela mão e nos pusemos a rodar e rodar no salão. Não tinha som algum, mas eu tinha certeza de que ela ouvia o mesmo que eu.

Nenhum comentário: